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Transição nas dietas e os sistemas agroalimentares localizados

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Transição nas dietas e os sistemas agroalimentares localizados

Thomaz Fronzaglia

O diagnóstico da transição nas dietas e seus reflexos na saúde, em termos de deficiências nutricionais e obesidade, traz a imagem de uma crise nutricional crescente, com impactos dramáticos e alarmantes. Os mecanismos que diferenciam a dinâmica dessas transições em diferentes países são principalmente demográficos, as estratégias de grandes players e as políticas públicas. Problemas crescentes nas dietas têm sérias implicações para políticas públicas, as quais poderão ter impacto promissor com boa relação benefício-custo, se levarem em conta o papel estratégico dos sistemas agroalimentares localizados.

As dietas de alta qualidade pressupõem sanidade, segurança e diversidade, são balanceadas, reduzem todos os tipos de má nutrição e promovem a saúde. Ainda se pode considerar que essas dietas de alta qualidade são produzidas sem prejudicar o meio ambiente. Analogamente, as dietas de má qualidade estão associadas a um conjunto de problemas de saúde por má nutrição como o nanismo, baixo peso e desempenho cognitivo, deficiências em micronutrientes, sobrepeso e obesidade, e doenças não transmissíveis relacionadas à dieta, pressão alta e colesterol alto. A Organização Mundial da Saúde (OMS) calcula que mais de 2,8 milhões de pessoas falecem anualmente por causa de doenças associadas à obesidade e às doenças crônicas não transmissíveis como diabetes. O Brasil está entre os 10 países com o maior número de adultos diabéticos (GOLBAL PANEL, 2016).

No mundo, são 2 bilhões de pessoas com deficiências em micronutrientes e 795 milhões com déficit calórico, 2 bilhões de adultos com sobrepeso. Um em cada 12 adultos sofrem de diabetes tipo 2, 159 milhões de crianças de menos de 5 anos são muito baixas para a idade e 50 milhões muito magras para a altura, enquanto 41 milhões estão com sobrepeso. De 129 países com dados, 57 têm sérios problemas de sobre peso e obesidade em adultos, além da subnutrição (Ifpri, 2016).

A prevalência de problemas de sobrepeso, obesidade e doenças crônicas relacionadas à dieta como diabetes e hipertensão cresce em todas as regiões, e mais rapidamente nos países de renda média-baixa, excedendo o problema da desnutrição em alguns países. O número de pessoas com sobrepeso e obesos terá crescido de 1,33 bilhões em 2005 para 3,28 bilhões de pessoas em 2030, o que é preocupante, pois até hoje nenhum país reverteu o crescimento da obesidade. Ao mesmo tempo haverá uma redução no número de pessoas com deficiência calórica (Global Panel on Agriculture and Food Systems for Nutrition, 2016).

O papel dos sistemas agroalimentares na má nutrição

O foco dos sistemas agroalimentares na produtividade proporcionou dietas mais calóricas, sendo que de 1961 a 2011, a disponibilidade total de calorias aumentou globalmente. A proporção oriunda de alimentos não básicos também cresceu. Em 2000, as vendas de alimentos e bebidas ultraprocessados, nos países de renda media-alta, era um terço daquela dos países de renda alta. Depois de 15 anos, era mais da metade. Ao mesmo tempo em que houve melhoras na dieta, o resultado líquido é ainda de dietas de baixa qualidade. Conforme a renda aumenta a escassez de alimentos diminui, mas o custo de muitos alimentos nutritivos continua alto, e o acesso aos alimentos pouco nutritivos aumenta. Os países de renda média-baixa mostram uma tendência de crescimento mais rápido nas vendas de alimentos processados que contribuem para o consumo de calorias, açúcares, sal, e gorduras, mas pouco na forma de frutas, verduras e legumes (FLV), cereais integrais e micronutrientes. De fato, os países de renda alta tiveram uma redução no consumo de alimentos processados entre 2010 a 2015 em 7 das 17 categorias de alimentos. Em quase todas as regiões, de 1990 a 2013, aumentou o consumo FVL, porém ainda se manteve menor que o recomendado pela OMS. Nos países da do sul e leste da África o consumo urbano de alimentos ultra processados participa em 65% do valor da cesta de alimentos, comparado com 35% na área rural (Global Panel on Agriculture and Food Systems for Nutrition, 2016).

Implicações para a inovação nos sistemas agroalimentares localizados

A fome tem diminuído substancialmente, graças à rápida redução na pobreza e aumentos de produtividade, mas o progresso em outras áreas é muito lento. Os países de renda média-baixa e média-alta seguem agora a rota da desnutrição para a obesidade. Para reverter esse quadro, o esforço para a comunidade internacional deverá tomar a mesma proporção daquele para combater o vírus da AIDS, a malária e o tabaco, com urgência e interdisciplinaridade visando dar suporte a uma política pública concertada. Esse é um desafio associado aos ODS (Sustainable Development Goals), especialmente o Objetivo 2 (forme zero) e Objetivo 3 (soa saúde e bem estar) (Haddad et al., 2016).

Apenas esperar as economias crescerem para que os indivíduos sejam menos pobres não vai ser suficiente para melhorar as dietas: 10% de aumento no PIB per capita produzem 11% de diminuição na pobreza extrema, mas apenas menos que 6% na redução no baixo crescimento infantil. O crescimento do PIB pode apenas, parcialmente e lentamente, reduzir a desnutrição. Contudo, o efeito do crescimento da renda na prevalência do sobrepeso e da obesidade é diferente, uma vez que, a redução da pobreza é fortemente associada com o crescimento da obesidade entre crianças e adultos.

Ações no domínio da produção agrícola importam não apenas em termos promoção da renda ao produtor rural por meio dos ganhos de produtividade e garantindo a oferta de alimentos, mas também provendo maior disponibilidade de uma dieta de alta qualidade. Nesse sentido, iniciativas de impacto na dieta como: promover a infraestrutura de comercialização; regular a fortificação com micronutrientes; estabelecer sistemas de proteção social; adotar guias de dietas de alta qualidade; podem levar décadas para gerar efeitos. A adoção do guia da OMS poderia reduzir a mortalidade mundial de 6 a 10% e ainda diminuir a o amento das emissões de GEE de 51% para 7% em 2050 (Haddad et al., 2016). A FAO calcula que o investimento anual de US$1,2 bilhões para melhorar a oferta de micronutrientes por meio da fortificação, suplementação e biofortificação traz uma relação de benefício-custo de 13-para-1. O Global Nutrition Report é uma iniciativa que desde 2013, visa dar mais accountabilty, enquanto os ODS visam acabar com a fome, alcançar a segurança alimentar, melhorar a nutrição e promover a agricultura sustentável. As Nações Unidas também promovem a “Década de ação para Nutrição 2016–2025”, vislumbrando oportunidades para os sistemas alimentares melhorarem a dieta (Global Panel on Agriculture and Food Systems for Nutrition, 2016).

As mudanças no perfil das dietas no Brasil mostram que os esforços das políticas têm trazido resultados compensadores. Contudo, algumas tendências continuam difíceis de reverter, como o aumento do sobrepeso e da obesidade (atualmente 54% e 20%, respectivamente)  (IFPRI, 2016)

Para a OMS, a pesquisa pública deverá focar em bens pré-competitivos por meio de parcerias com associações de empresas, na análise de diferentes sistemas agroalimentares (curtos e longos) em relação à sensibilidade às dietas, produzir mais dados sobre as dietas, criar consensos sobre a qualidade da dieta, lidar com a má nutrição de forma combinada (dieta pobre e obesidade), considerar a diversificação de alimentos e as mudanças climáticas (WHO, 2014).

O valor e o poder estão mudando para os elos intermediários das cadeias, nas quais grandes agroprocessadoras e varejistas têm papel central em relação ao setor público, à disponibilidade, segurança, atratividade e preço dos alimentos. Portanto, o monitoramento dos sistemas agroalimentares é essencial para se entender as mudanças rápidas nas estratégias dos atores com consequências para as mudanças nas dietas, pois as cadeias/redes agroalimentares estão cada vez mais longas, trazendo diversidade na oferta de produtos ultraprocessados (Global Panel on Agriculture and Food Systems for Nutrition, 2016).

Esse contexto traz oportunidades para a valorização de dietas associadas aos produtos regionais dos sistemas agroalimentares localizados, em que produtos típicos das regiões fazem parte da cultura alimentar regional e estão associados às dietas mais diversas e saudáveis.

 

[1] O Global Panel on Agriculture and Food Systems for Nutrition mapeou quatro principais caminhos dos impactos da má nutrição, na saúde e os impactos econômicos ao nível do indivíduo e ao nível nacional: 45% das mortes prematuras são atribuídas em até 45% à má nutrição e causam custos de tratamento, perda do tecido social, e do capital humano; a saúde precária traz custos adicionais para crianças com baixo peso bem como para obesidade mórbida que pode custar até 80% mais do que para pessoas não obesas; problemas físicos como nanismo e obesidade são associados com suscetibilidade a doenças, baixo desempenho laboral e perda de produção (US$ 4,3 bilhões nos EUA); comprometimento do desenvolvimento cognitivo implica em perda de capacidades. O nanismo e as deficiências nutricionais associadas geram perdas de até 3% do PIB nos países em desenvolvimento de renda baixa, enquanto na África e Ásia a desnutrição causa a redução de 11% no PIB anualmente. Na UE, 20 milhões de indivíduos são afetados por doenças relacionadas à má nutrição, custando aos cofres públicos até 120 bilhões de euros anualmente, enquanto na Índia a desnutrição custa 242 bilhões de dólares. Na China, em 2025, a obesidade reduzirá o PIB em 8% ao ano. A obesidade está associada também às deficiências de micronutrientes como a vitaminas C, D e E, e possivelmente Ferro, portanto a qualidade da dieta importa para todos os tipos de má nutrição. As taxas de obesidade e sobrepeso subiram rapidamente nos países de renda alta, porém, atualmente, as doenças crônicas não transmissíveis associadas à dieta são uma ameaça global, como a diabetes tipo 2, que afeta mais de 415 milhões de pessoas, custando 12% dos gastos públicos com saúde no mundo, e em 2012 foi a causa direta de 1,5 milhões de falecimentos. Caso nada mudar, mais de 640 milhões de pessoas terão diabetes até 2040, e o custo relacionado à obesidade chegará a 500 bilhões de dólares por ano em 2040, e a perda global derivada das doenças crônicas não transmissíveis associadas à dieta alcançará 47 trilhões de dólares (GOLBAL PANEL, 2016)

Referências

Global Panel on Agriculture and Food Systems for Nutrition. (2016). Food systems and diets: Facing the challenges of the 21st century. London, UK. Recuperado de http://glopan.org/sites/default/files/ForesightReport.pdf

GOLBAL PANEL. (2016). The Cost of Malnutrition: Why Policy Action is Urgent. Technical Brief (Vol. 3). London, UK. Recuperado de https://www.glopan.org/sites/default/files/pictures/CostOfMalnutrition.pdf

Haddad, L., Hawkes, C., Webb, P., Thomas, S., Beddington, J., Waage, J., & Flynn, D. (2016). A new global research agenda for food. Nature, 540(7631), 30–32. http://doi.org/10.1038/540030a

Ifpri. (2016). 2016 Global Nutrition Report - From Promise to Impact: Ending Maltrution by 2030. Washington, DC. Recuperado de http://ebrary.ifpri.org/utils/getfile/collection/p15738coll2/id/130354/filename/130565.pdf

WHO. (2014). Global nutrition targets 2025: childhood overweight policy brief. (WHO/NMH/NHD/14.6). Geneva. Recuperado de http://apps.who.int/iris/bitstream/10665/149021/2/WHO_NMH_NHD_14.6_eng.pdf?ua=1

 

Thomaz Fronzaglia - Coordenadoria de Planejamento (CPL), Secretaria de Gestão e Desenvolvimento Institucional (SGI), Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) -Brasília/DF.

09 de novembro de 2017 às 10:08
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