[ARTIGO DE OPINIÃO] Aborto: os "pró vida" e os "pró escolha"
“Um milhão de mulheres abortam todos os anos na França. Elas abortam em condição arriscada por causa da clandestinidade a que são condenadas, ainda que essa operação, se praticada sob supervisão médica, seja muito simples. Silenciamos sobre esses milhões de mulheres. Declaro ser uma delas. Declaro ter abortado. Da mesma maneira que demandamos acesso livre aos métodos contraceptivos, nós pedimos o aborto livre”.
Manifesto 343 - Simone de Beauvoir, 1971
As questões religiosas e morais acerca das discussões a respeito do direito à vida, são provavelmente as mais significantes quando se analisa a atual posição do estado brasileiro em relação ao aborto. SAGAM (1997) considera a questão do aborto com duas vertentes distintas os “pró-vida” e os “pró-escolha”. Durante séculos de existência a humanidade gosta de pensar em termos de opostos diferentes (DEWEY, 1938 apud SAGAM, 1997, p. 120). Acredito que algumas questões são apropriadas a nossa análise da conjuntura da legislação brasileira sobre esta questão, a) o estado deve interferir em uma escolha pessoal? b) por que a religião tem interferência nas questões sobre este tema? c) quando um feto é de fato uma vida?
O estado brasileiro, segundo o decreto de lei nº 2.848 de 07 de dezembro de 1940, nos seus artigos 124 a 126 tornam crime o aborto no Brasil, sendo que no seu artigo 128, é possível a prática em casos de estupro ou risco de vida para a mulher. (BRASIL, 1940). A declaração mundial dos direitos humanos em seu artigo terceiro diz que “Todo indivíduo tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal” (DUDH, 1948, art. 3°). Baseando-se nesses pretextos constitucionais os “pró-vida” defendem com unhas e dentes a não legalização do aborto, por ser uma ameaça a vida, mas qual vida? Não a uma unanimidade de opiniões a respeito do aborto, mas alguns cientistas defendem que entre a terceira e a vigésima quarta semana. Outros defendem até a vigésima semana que a ocorrência de vida é nula, a não coerência entre a comunidade cientifica abre brechas para argumentos dos “pró-vida” em favor a não legalização. A igreja, principalmente, a católica e a evangélica vem defendendo que a vida ocorre a partir do momento da fecundação, e este já tem alma própria. O que pode ser um pouco contraditório, quando nos séculos de colonização a própria igreja católica considerava os indígenas e negros dois povos sem alma. Um atraso no pensamento religioso da época? Talvez, mas que murmura nos dias atuais. E o que dizer de uma bancada evangélica dentro de um senado federal dito “laico” pela constituição de 1988? Homens que vestem um terno e misturam política e religião como se estivéssemos no século XVI. Nesse período, a igreja era o centro político/decisório da sociedade, mas em pleno ano de 2017 do século XXI, acredito ser um pouco atrasado a interferência do pensamento religioso e conservador de uma bancada deste cunho, na qual prega regras religiosas baseadas em crenças de mais de vinte séculos, que obviamente não se aplicam a nosso tempo. Outro ponto que pode se mostrar contraditório com as questões religiosas são baseados em dados do ministério da saúde, os quais indicam que entre 44,9% e 91,6% do total das que têm experiência de aborto induzido declaram-se católicas. Entre 4,5% e 19,2% declaram-se espíritas, e entre 2,6% e 12,2% declaram-se protestantes (BRASIL, 2009).
As propostas da frente “pró-escolha” das quais comungo, são que até a terceira semana de gestação o aborto seja descriminalizado totalmente, sem quais quer punição as mulheres que o fizerem. Com a legalização e a padronização dos atendimentos, a paciente passa a ter acompanhamento médico e psicológico, para ter certeza de sua escolha. Essa forma de atendimento possibilitaria uma discussão prévia antes de qualquer decisão ser tomada. Esse sistema é empregado em alguns países europeus e latino americanos como o Uruguai. Essas medidas apresentam resultados positivos, após a legalização a desistência subiu para 30% e não se registraram morte decorrentes desse procedimento. Apenas mais dois países da América Latina descriminalizam o aborto, são eles, Cuba e Guiana, sendo que a cidade do México também libera essa prática. É visto um atraso nas leis nos países latinos, Chile, Nicarágua e El Salvador que proíbem em quaisquer circunstâncias a prática. O processo de colonização de exploração por países católicos pode ser uma das causas desse atraso político.
Podemos levantar aqui outra questão relevante como argumento dos “pró-escolha”, a desigualdade social de classes é vista como um dos principais fatores para que ocorra a legalização do aborto. Por exemplo, o maior número de abortos encontra-se no nordeste e sudeste brasileiro, e a quantidade de mulheres negras que abortam são o dobro das mulheres brancas. A educação também é um fator, quando mais de 30% das mulheres que abortam não tem instrução completa e outras 33% tem apenas ensino médio completo. Então, o aborto tem raça e classe?
Hoje no Brasil são mais de 850.000 abortos por ano (provocados), e mais de 75.000 mulheres morrem em consequência, do aborto de forma clandestina, em más condições higiênicas e de cuidados. Muitas abortam em casa com auxílio de medicamentos e um cabide de guarda roupa, ou até mesmo uma agulha de crochê, outras em clínicas clandestinas com maior “segurança” pagando valores absurdos para médicos de “araque” para na maioria das vezes levam a óbito muitas mulheres em cima de uma mesa de cirurgia.
A legalização não seria, necessariamente, colocar esse como um método contraceptivo, no qual a mulher recorreria sempre a ele. Pensando em um contexto mais rotineiro seria a pílula do dia seguinte um crime também?
Desse modo, é fundamental compreender a diferença de ser contra abortar e ser contra a legalização do aborto, essa questão deve ser vista de um ponto racional. Se você se posiciona contra o aborto, sem problemas! Quando você estiver grávida terá a livre escolha de não ter a gestação interrompida, mas não deve interferir nas escolhas de outras mulheres, as quais são livres e deveriam, sim, ser as donas de seus corpos, e não um estado corrupto, machista e controlador. Não é aceitável, que um estado com essas “qualidades” use de argumentos religiosos, bem como morais para defender suas opiniões baseadas em códigos canônicos de séculos atrás e judiciários de 1940.
Notem que em pleno ano de 2017, ainda seguimos um código penal com 77 ano. Frente a isso, deveríamos rever nossas leis, e notar que muitos dos artigos ali escritos não são mais aplicáveis nos dias atuais. Muito ainda deve ser discutido sobre o assunto, mas tenho claro que a legalização já passou do tempo de ser aprovada, já basta em pleno ano de 2017 que mulheres pobres morram e mulheres ricas abortem.
Por José Gustavo Santos da Silva
Curso de Geografia - 5ª fase
REFERÊNCIAS
BRASIL. Decreto-Lei 2.848, de 07 de dezembro de 1940. Código Penal. Diário Oficial da União, Rio de Janeiro, 31 dez. 1940. Disponível em: http://www.siaapm.cultura.mg.gov.br/acervo/acervo_gestao_classificacao/referencias.pdf>. Acesso em: 30 abr. 2017.
BRASIL. Ministério da Saúde. Aborto e saúde pública no Brasil: 20 anos / Ministério da Saúde, Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos, Departamento de Ciência e Tecnologia. – Brasília : Ministério da Saúde, 2009. Disponível em: >http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/livro_aborto.pdf. Acesso em: 30 abr. 2017.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988.
DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS. Assembleia Geral das Nações Unidas em Paris. 10 dez. 1948. Disponível em: <http://www.dudh.org.br/wpcontent/uploads/2014/12/dudh.pdf>.Acesso em: 30 abr. 2017.
SAGAM, Carl. Bilhões e bilhões na virada do milênio. São Paulo: Schwarcz, 1997. 173 p. Disponível em: <http://www.us.esags.edu.br/conteudo/releases/arquivo/bilhoesebilhoes-carl_sagan_f1963b30.pdf>. Acesso em: 30 abr. 2017.
03 de maio de 2017 às 15:135 comentários
Valéria Pirola Isé
17 de maio de 2017 às 14:15Ótima reflexão! Concordo que as mulheres devem ser livres para tomar as decisões a respeito do seu corpo, não deixando sua opinião interferir na escolha de outras mulheres.
Juliana Ugioni Daminelli
10 de maio de 2017 às 16:03Concordo quando se trata de a mulher tomar a decisão sobre o que deve ser feito com seu corpo, pois como foi citado, somos livres, e o meu posicionamento em relação ao aborto não serve para interferir o posicionamento de outra mulher.
Miriane Buss Roecker
10 de maio de 2017 às 15:26Parabéns, é uma ótima reflexão sobre um assunto que é tão polêmico.
Andréa Rabelo Marcelino
03 de maio de 2017 às 20:10Parabéns ao aluno José Gustavo e a Professora Carina Fernandes pela atividade realizada.
Carina
03 de maio de 2017 às 17:58Excelente reflexão! Gostei muito dessa parte: " é fundamental compreender a diferença de ser contra abortar e ser contra a legalização do aborto, essa questão deve ser vista de um ponto racional" concordo com você nisso! Parabéns! Prof.ª Carina.